sábado, 20 de setembro de 2008

O ensino da oralidade centrado no processo de produção de textos

Rosemeire Selma Monteiro-Plantin - UFC


Introdução

Freqüentemente a oralidade tem sido tratada, no processo de ensino de língua materna, apenas em seus aspectos formais, com vistas a adequar a fala do aluno às exigências da norma padrão.
As intervenções do professor têm, muitas vezes, se limitado a correções do tipo: Não é pra mim fazer, é pra eu fazer. Não é resistro, é registro. Não é a gente vamos, é a gente vai....
É preciso considerar, porém, que muito antes de ser iniciado em um sistema de escrita, o aluno já fala há pelo menos quatro anos. O que parece estar sendo desprezado é o conhecimento para o uso da língua que o aluno já traz, quando inicia a sua participação no mundo letrado.
Tal desprezo implica em um tratamento didático da oralidade como se fosse caótica, desestruturada, agramatical, informal e nunca planejada.
Entretanto, o desenvolvimento de pesquisas lingüísticas, principalmente as desenvolvidas com base nas contribuições da Sociolingüística e da Análise do Discurso, têm contribuído sobremaneira para que se deixe de ver a oralidade como o avesso da escrita. O que sugere que as modalidades oral e escrita, não são estanques, ou dicotômicas, e que ao invés de serem antônimas, apresentam-se entrelaçadas formando um continuum, conforme apontam, por exemplo, os trabalhos de Fávero, Andrade & Aquino (2000) e Marcuschi (2001).
Porém, é preciso considerar que mesmo constituindo um continuum, há características materiais e estruturais próprias de cada uma dessas modalidades. Exemplo disso pode ser percebido em uma entrevista apresentada em um jornal ou revista. Nesse caso o que aparece não é transcrição literal da fala dos interlocutores, mas uma paráfrase com as adaptações julgadas necessárias à editoração do texto. Algumas marcas típicas da oralidade como, repetições, hesitações, ou expressões como né, então, diz aí, veja só, pô meu, coisa e tal, pois não é, não sei que lá, ta-rá,rá, pá- pá- pá e bi bi bi são apagadas ou substituídas. Da mesma forma, uma informação transmitida por escrito ou oralmente, apresentará marcas de tal especificidade.
O que estou sugerindo é que se centre o ensino da oralidade no processo e nas condições de produção desse processo e não apenas no produto.
Tal focalização exige uma observação cuidadosa em estruturas típicas da oralidade e as transformações condicionadas por fatores como: interação entre os interlocutores (relação que há entre eles), grau de conhecimento partilhado (o que eles sabem sobre a temática abordada), propósito comunicativo (não se pede desculpas da mesma forma que se dá uma ordem), situacionalidade da comunicação (falar sobre reforma agrária no elevador é diferente do que tratar do mesmo tema em uma conferência) e assim por diante.
Além da observação do processo de produção de textos orais, é preciso ainda que ao aluno transite entre as diversas modalidades da linguagem oral, tendo em vista que um dos objetivos do ensino de língua materna é ampliar a capacidade comunicativa do educando.
A ampliação que se prevê em relação ao desenvolvimento da oralidade é aquela que permita seu exercício em instâncias públicas, distintamente daquele que se realiza em instâncias privadas, conforme assinalam os PCN de Língua Portuguesa em diversas passagens, tais como:
Ensinar a língua oral deve significar para a escola
possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania.
Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista etc.).
Já que os alunos têm menos acesso a esses gêneros nos usos espontâneos da linguagem oral, é fundamental desenvolver, na escola, uma série de atividades de escuta orientada que possibilitem a eles construir, progressivamente, modelos apropriados ao uso do oral nas circunstâncias previstas. (In Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental:Língua Portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. p. 67-68)

O ensino da oralidade com base no processo

Gostaria de chamar a atenção para a importância do "domínio oralidade" como fator determinante à inserção do indivíduo na sociedade.
Nesse sentido, o trabalho com a linguagem oral deve levar os usuários a desenvolverem, no mínimo, as seguintes habilidades:
· Expressar seus sentimentos, experiências, idéias e opções individuais.
· Expressar-se em diferentes situações.
· Expressar-se de diferentes maneiras.
· Conhecer e respeitar as variedades lingüísticas do português falado.
Ao desenvolverem essas habilidades, além de refletirem acerca de diferentes registros lingüísticos, os falantes terão a possibilidade de expandirem o uso da linguagem em suas modalidades oral e escrita, além de perceberem que não há fronteiras entre o falar/escutar e o ler/escrever: há um continuum.
Ou seja, textos orais, dependendo da situação comunicativa, apresentam características da escrita e vice-versa, como, por exemplo, a apresentação oral de um trabalho em sala de aula.
Dessa forma, deve-se usar a Língua Portuguesa, nas interações sociais, como forma de garantir o uso ético e estético da linguagem verbal; através da compreensão de que pela linguagem é possível transformar/reiterar o social, o cultural e o pessoal; aceitar a complexidade humana e o fato de que em um jogo comunicativo há avanços/retrocessos próprios da linguagem, isto é, levar o indivíduo a sentir-se como participante de um grande texto em diálogo com outros textos, em suma, a interação na, com e pela linguagem.

A atividade conversacional

Entre as práticas sociais desenvolvidas pelos seres humanos, podemos destacar a conversação como a mais comum. É importante considerar que a conversação é também uma forma efetiva da interação e também de dirimir conflitos que possam ser gerados por diferenças de opinião, por exemplo.
Marcuschi, 2001 destaca que a conversação “é o espaço privilegiado para a construção de identidades sociais no contexto real, sendo uma das formas mais eficientes de controle social imediato; por fim, exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito a simples habilidade lingüística dos falantes.”(p.5)
Não é tarefa da escola ensinar a conversar, porém a realização de algumas atividades didáticas, tais como as citadas abaixo, pode auxiliar o aluno no desenvolvimento de sua atividade conversacional, dentro e fora da escola:
· Solicitação de atenção para as formas de tomada de turno.
· Intervenção durante as discussões em grupo com vistas a garantir o direito à fala do outro, mesmo quando não se concorda com a opinião dele.
· Observação da natureza dos argumentos apresentados.
· Monitoração da altura, da velocidade e da entonação.
· Seleção de um léxico adequado para o contexto de uso da fala, levando em conta os interlocutores e contexto em que se realiza.
· Controle da repetição excessiva de determinadas expressões sem função comunicativa, que acabam se tornando tiques lingüísticos como, tá entendendo, né, tipo assim...
· Observação das características e formas de organização de pares adjacentes, ou conversacionais, como pergunta e resposta, entre outros.
· Incentivo ao respeito das diferentes variedades lingüísticas
· Análise dos fatores que condicionam as variações lingüísticas.

A leitura em voz alta

A leitura em voz alta pode ser considerada uma das práticas de oralidade mais tradicionais em sala de aula e tem sido freqüentemente apontada como ultrapassada, assim como a cópia e o ditado.
Entretanto é preciso analisar criticamente essa prática com vistas a tirar dela o melhor proveito didático possível.
Não faz sentido pedir ao aluno para ler em voz alta, apenas para saber se ele sabe ler. É possível criar situações de leitura em voz alta bastante significativas. Quando os demais alunos não possuem o texto, por exemplo.
O problema não é ler em voz alta, é para que e como ler em voz alta. Desde que seja uma prática que possibilite ao professor identificar possíveis dificuldades para auxiliar o aluno a superá-las tal atividade só tende a trazer benefícios.
Porém é importante que o professor sirva de modelo e tenha uma leitura em voz alta fluente e capaz de captar o interesse dos alunos para o que está sendo lido.
Ler não pode ser uma atividade desenvolvida em sala de aula quando sobra tempo, falta um professor ou quando se pretende manter os alunos quietos.

A leitura precisa ocupar lugar de destaque na sala de aula e ser realizada diariamente, ao longo do processo de escolarização.

O ensino da oralidade com base no produto

Se considerarmos a sala de aula como um espaço privilegiado para o desenvolvimento da capacidade de fazer uso da fala em instâncias públicas, cabem aqui também algumas orientações que os professores podem dar a seus alunos, para uma boa apresentação oral, sob o ponto de vista da forma final do produto:

· fazer um reconhecimento das condições físicas (acústicas, principalmente) do local onde será realizada a apresentação;
· ensaiar antes para ter a certeza de que o tempo será suficiente;
· gravar seu ensaio em vídeo e áudio e posteriormente assistir para ver o que pode ser melhorado;
· vestir-se discretamente, não deixar que as roupas ou acessórios “roubem a cena”;
· usar um cronômetro para controlar o tempo e olhar discretamente para ele, jamais perguntar aos examinadores, ou ao público, quanto tempo ainda resta;
· ao utilizar o microfone, verificar com o público se o volume está adequado;
· não fazer rodeios, ir direto ao ponto;
· prestar atenção na fisionomia dos ouvintes para monitorar a voz e expressão corporal;
· evitar gesticulação excessiva;
· fazer perguntas que não possam ser respondidas, fazer afirmações e/ou ao fazer perguntas, respondê-las imediatamente;
· ao utilizar o retroprojetor, não dar as costas aos ouvintes;
· ao concluir a exposição de transparências, slides ou filme acender as luzes antes de desligar, para evitar que os ouvintes fiquem na escuridão total
· ao responder perguntas, dirigir o olhar para quem perguntou.

Relações entre o ensino da oralidade e o ensino das demais atividades lingüísticas

Revisitar a prática da oralidade, através de uma revisão das práticas tradicionais, é comprometer-se com a reconstrução da escola pública, no interior de um projeto político que ambiciona ao menos ampliar o acesso à cidadania. Desta forma, é preciso superar o ensino que se presta ao repasse de conteúdos gramaticais fragmentados e descontextualizados e ao trabalho meramente burocrático com a fala, a leitura e a escrita.
Tal superação objetiva garantir a nossos estudantes o efetivo domínio das atividades verbais, orientada pelo direito de todo cidadão à educação lingüística. O domínio das atividades verbais é uma importante dimensão da cidadania. Nesse sentido, não é demais lembrar que cada um se constitui em meio a uma intrincada rede de relações interacionais; ou - em outros termos - que a linguagem é uma prática social pela qual nos constituímos e agimos como sujeitos históricos.
Para alcançar esse objetivo é preciso optar por uma outra forma de ver a linguagem, forma essa que deverá orientar a programação, a metodologia e os critérios e processos de avaliação.
Sem o fundamento firme de uma clara concepção de linguagem, não se constrói uma prática pedagógica sólida no ensino de Língua Portuguesa.
É preciso ter claro que não existe uma forma única de conceber a linguagem: alguns a tomam como uma instituição pronta e acabada (precisamos apenas decorar expressões corretas); outros a tomam como um dom da natureza (precisamos apenas fazê-la desabrochar); outros ainda a consideram como um código (precisamos apenas ser programados como máquinas de cifrar e decifrar).
Falar em direito à educação lingüística; ver esse direito como dimensão da cidadania; destacar que o sujeito se constitui em meio a (e por meio de) atividades verbais, significa rejeitar aquelas formas de conceber o ensino da linguagem como um fim em si mesmo, significa também conceber a linguagem como um conjunto de práticas interacionais, social e historicamente constituídas e se constituindo. É preciso deixar de lado concepções que isolam a linguagem e os falantes, que tratam a linguagem como uma coisa, como uma entidade suprahumana; e adotar um ponto de vista que reconhece a linguagem como uma realidade social e histórica, como uma atividade inter-humana.
É esse ponto de vista que desvela a linguagem como uma multidão de discursos, uma multidão de vozes. São discursos, são vozes que revelam história, grupos sociais, práticas coletivas, visões de mundo, experiências pessoais diferentes.
Posto isso, é possível arrolar os objetivos do ensino de língua materna. O sistema escolar e os responsáveis diretos devem ter o compromisso de garantir a todos o domínio pleno das atividades verbais, o que significa, em detalhe, garantir a todos: o domínio da leitura; o domínio da escrita; o domínio da fala em situações formais e a compreensão da realidade social, histórica e estrutural da linguagem.
Poder-se-ia dizer que esses são já os objetivos tradicionais do ensino de português, o que é verdade, mas apenas em parte.
Primeiro, porque na prática do dia-a-dia escolar o centro do ensino de português continua sendo o repasse de conteúdos gramaticais. É claro que, no discurso, muitos justificam esse ensino proclamando excelências miraculosas do saber gramatical fragmentado e descontextualizado para o domínio da escrita e da fala, excelências, aliás, nunca comprovadas.
Segundo, e mais importante: as palavras não têm um único e absoluto sentido. Assim, as palavras fala, leitura e escrita, talvez sejam as mesmas neste texto e em outros textos relacionados ao ensino de língua portuguesa, contudo, elas ocorrem aqui e lá com sentidos diferentes.
Nessa perspectiva, vale a pena desdobrar um pouco os objetivos de falar, ler e escrever.
Falar é ter fluência nas mais diversas situações, isto é, diante de um indivíduo ou de um conjunto plural de interlocutores, em atividades de transmissão de informações, de exposição de idéias, de troca de opiniões, de defesa de ponto-de-vista, de representação.
É adequar a linguagem às circunstâncias (aos interlocutores, ao assunto, às intenções), utilizando a norma padrão oral quando isso for necessário; aproveitando os imensos recursos expressivos da língua. É, principalmente, praticar a convivência democrática, quer pelo exercício do direito da livre expressão, quer pelo reconhecimento do direito do outro à livre expressão, seguindo as fases do discurso.
Ler criticamente significa perder a ingenuidade diante do texto dos outros, percebendo que atrás de cada texto há um sujeito, com uma prática histórica, uma visão-de-mundo, uma intenção. Ler compreensivamente implica responder ao texto, concordando com ele, discordando dele, rindo dele, emocionando-se com ele, aplaudindo-o, rejeitando-o, assimilando-o, repetindo-o, redizendo-o, parodiando-o e aumentando o universo de conhecimentos.
Escrever para alguém ler é reconhecer que o interlocutor é um dos condicionadores de nossos textos e, em conseqüência é necessário, que os textos sejam adequados às circunstâncias de sua produção. Escrever é controlar os processos estruturadores do texto (coesão e coerência); é adequar-se às exigências socioculturais que circundam a escrita (norma padrão e grafia oficial); é dispor dos imensos recursos expressivos da língua, operando escolhas adequadas tanto à produção de um texto particular (retórica da expressão), quanto à construção de um discurso próprio (estilo); é respeitar a especificidade de textos ficcionais (narrativos ou poéticos) e não ficcionais (informativos e argumentativos).
Quanto ao último objetivo, é importante destacar que nele está contida a atividade de reflexão sobre a linguagem.
Não cabe, ao ensino de português, apenas propiciar ao aluno o domínio das atividades socioverbais de fala, de leitura e de escrita. Junto com esse trabalho, é necessário realizar sempre uma ação reflexiva sobre a própria linguagem, integrando as atividades verbais e o pensar sobre elas.
Pensar que envolve a compreensão não só da realidade estrutural da língua, mas também da sua realidade social e histórica, o que significa: perceber a variedade lingüística (a língua como um conjunto múltiplo de variedades) e entendê-la como correlacionada com a vida e a história dos grupos sociais; perceber a organização estrutural da língua e imensa variedade de formas expressivas alternativas à disposição do falante; perceber a diferença entre linguagem oral e linguagem escrita; analisar os textos como objetivos verbais estruturados, reconstituindo as opções de idéias, de seqüência, de expressão feitas pelo autor; analisar textos produzidos pelos alunos, reconstruindo coletivamente sua estrutura e expressão.
E importante dizer que essa caracterização detalhada dos objetivos não lhes esgota a abrangência, apenas destaca aspectos básicos, o mínimo a ser atingido.

Considerações finais

De acordo com as considerações expostas até aqui, minha proposta em relação ao ensino da oralidade centrada no procesos de produção de textos não está descolada dos demais conteúdos a serem desenvolvidos no ensino de língua materna. Dessa forma, gostaria de elencar algumas atividades que considero essenciais para serem desenvolvidas em sala de aula, desde as séries iniciais, lembrando que para elas nunca é cedo:

· Prática de análise de textos orais
· Uso de estratégias auxiliares da fala em situações formais e informais
· Leitura em voz alta com o objetivo de socializar informações e/ou emocionar
· Produção de documentos orais autênticos
· Desenvolvimento da habilidade de argumentar

O tratamento da oralidade em sala de aula não pode restringir-se ao simples ato de deixar os alunos falarem, caso isso ocorra, corre-se o risco de não sairmos do blá, blá, blá.
O que se pretende é o estudante exercite sua cidadania desde as séries iniciais, fazendo uso de sua fala para atender a demandas sociais e as suas próprias demandas.
Saber expressar-se de diferentes formas e de diferentes maneiras é necessidade essencial a todo o cidadão que pretenda ser reconhecido como tal.
Para isso é necessário fazer uma análise criteriosa das condições de produção dos mais diversos discursos, dos implícitos do dito, ou do não dito.
Se a competência discursiva diz respeito à capacidade de escolha das melhores estruturas lingüísticas, cabe lembrar que só quem conhece diversas opções é capaz de escolher. Como utilizar vocabulário variado, estruturas sintáticas mais complexas, se tais estruturas não foram internalizadas pelo indivíduo?
Para que possamos sair do blá, blá, blá e alcançar o domínio da oralidade, é preciso desfrutar dos mais diversos bens culturais que a humanidade desenvolveu ao longo de sua história, como a literatura, o teatro, o cinema e a dança, por exemplo.
Quanto mais o aluno for incentivado a desfrutar desses bens culturais, maiores serão suas chances de aumentar seu conhecimento de mundo, sua compreensão da realidade, a formação de suas opiniões, seu vocabulário, enfim o alcance de sua cidadania.
Esses bens culturais precisam ser encarados não como deveres a serem cumpridos na marra, mas como direitos legítimos que devem estar ao alcance de todos, independentemente da posição social ocupada. Os bens culturais precisam ser conquistados e prazerosamente desfrutados. Somente dessa forma nós, professores, e nossos alunos teremos muito a dizer.

Auto-avaliação

Leia a crônica abaixo e depois faça o que se pede:

Tragédia brasileira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês do Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim, na Rua da Constituição onde Misael privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros e a polícia foi encontrá-la caída, em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
(Manuel Bandeira. In Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1973, p.146-7)

1. Imagine que você foi intimado a prestar um depoimento acerca do ocorrido e reconte o fato narrado por Manuel Bandeira como se você fosse um dos personagens abaixo, preste seu depoimento com marcas que evidenciem seu ponto de vista em relação ao ocorrido, seu grau de instrução e atividade profissional desenvolvida.

a) A mãe da Maria Elvira, uma mulher sem instrução formal que era sustentada por Maria Elvira, sua única filha.
b) A mãe de Maria Elvira, uma mulher viúva, com nível médio concluído, que não concordava com a vida que a filha levava.
c) Um colega de trabalho de Misael, pós-graduado em direito.
d) A mãe de Misael, mulher com pouca instrução que nunca aprovou a ligação dele com Maria Elvira.
e) Uma vizinha fofoqueira, com baixa escolaridade.
f) A empregada do casal, uma jovem que cursava pré-vestibular no período noturno.
g) Uma ex-colega de trabalho de Maria Elvira, sem instrução formal.
h) Um dos possíveis namorados da vítima, rapaz sem muita instrução e pertencente a um grupo no qual predomina o uso de gírias.

2. Faça uma análise das diferentes estruturas lingüísticas presentes em seu depoimento, condicionadas pelas características da personagem escolhida com relação a:
· construção dos períodos,
· ordenação das informações,
· vocabulário,
· repetições,
· entonação,
· gesticulação...

Leitura complementar

Entrevista como uma atividade de integração entre o oral e o escrito
Conceito

Diferentemente do que geralmente se difunde, a entrevista não é um gênero de texto exclusivamente jornalístico. Entrevistar é uma prática discursiva que se apresenta em diversos textos, ora constituindo um gênero específico, ora estruturada como seqüência discursiva de outros gêneros. Sendo assim, o texto integral pode ser a própria entrevista, ou pode ser constituído de trechos com entrevista, para apresentar a fala do outro, como uma forma de conferir autoridade, ou ainda garantir a verossimilhança.
Nesse sentido, pode-se dizer que a entrevista é um texto difuso, uma vez que, possui propósitos que podem estar direcionados para focos distintos. Se por um lado o entrevistador pode fazer perguntas para o entrevistado, a fim de saber sua opinião, ou esclarecer-se acerca do tema em questão; por outro lado, ele pode perguntar o que já sabe, com o intuito de explicitar a opinião do entrevistado, ou esclarecer o leitor sobre o assunto abordado.
Uma boa entrevista deve ser precedida de um roteiro para organizar as idéias, e distribuir o fluxo de informações do texto, levando em conta o propósito do autor, a audiência pretendida, o veículo em que ela será apresentada e o conhecimento partilhado entre os participantes e o leitor.
O roteiro de uma entrevista pode ser organizado de forma temática, por meio de palavras- chave que servirão para o entrevistador acionar seus esquemas cognitivos e lembrar-se dos tópicos que pretende explorar, ou estruturado com perguntas previamente elaboradas.
Porém, é importante observar que, independentemente do roteiro, novas perguntas ou tópicos não previstos podem ser acrescentados no decorrer da entrevista, para que se possa tirar o maior proveito das informações coletadas. Muitas vezes o entrevistado pode manifestar interesse em mudar o foco da entrevista, ou ainda esclarecer pontos que julgue importantes. Cabe ao entrevistador conduzir o trabalho de forma a cumprir seu propósito comunicativo. Lembrando, ainda, que novos propósitos podem surgir no decorrer do processo.

Estrutura

Lingüisticamente, a estrutura básica de uma entrevista é constituída por meio do par adjacente pergunta e resposta. Entretanto, no decorrer do texto, outras seqüências discursivas se fazem presentes, tais como: título, subtítulo, apresentação, ilustrações, legendas, síntese, destaque e outros:

· interlocutores - participantes da entrevista (entrevistador (es) e entrevistado (s));
· título - designação colocada no início do texto com o intuito de servir como pista sobre o que será exposto, às vezes é uma citação da fala do entrevistado ou o resumo de sua opinião;
· subtítulo - pode ser uma frase que resume a entrevista, ou o posicionamento do autor sobre o entrevistado ou sobre o tema;
· apresentação - trecho que sumaria as características do entrevistado, consideradas relevantes para o texto, podendo ser acompanhado de uma contextualização do tema;
· figura - ilustração que pode acompanhar o texto (foto, desenho, charge, gráfico, tabela...);
legenda - identificação ou explicação da ilustração;
síntese - paráfrase da fala do entrevistado apresentada em discurso indireto,
· destaque - transcrição de trechos da fala, ou síntese dela, julgados mais importantes, apresentados com diferentes recursos gráficos: cor, letra, negrito, itálico, tamanho...;

Faça com seus alunos

1. Faça com que a leitura em voz alta ocupe espaço nobre em sua sala, lendo continuamente textos dos mais variados gêneros, de forma envolvente.

2. Eleja, semanalmente, um orador para a turma, e estabeleça a cada dia a leitura de um gênero diferente, ao início de cada aula, por exemplo: segunda é o dia da leitura de conto de fada, terça é o dia da leitura de poesia, quarta é o dia da leitura de fábula, quinta é o dia da leitura de piada e sexta é o dia da leitura de um capítulo de um livro escolhido pela turma. O orador da semana deverá ler para toda a sala. Para isso, é interessante que ele tenha contato anterior com o texto que pode ser selecionado por ele mesmo ou pelo professor.

3. Realize uma reunião mensal ou bimestral com seus alunos para avaliar o andamento do trabalho e decidir sobre questões relativas à escola ou à disciplina.
Oriente-os a inscreverem-se para fazer uso da palavra, estabeleça um tempo para esse uso, delegue a alguém a organização da pauta, que deverá ser distribuída com antecedência, a outro a leitura da pauta para aprovação, a outro a tarefa inscrever quem pedir a palavra e controlar o tempo, a outro a tarefa de redigir a ata, que deverá ser lida e aprovada no início da próxima reunião. É importante que os alunos tenham a oportunidade de desempenhar diferentes papéis nessas reuniões, para isso é preciso que fique registrado quem fez o que, para não repetir as mesmas pessoas na mesma tarefa, na próxima reunião.

4. Promova uma escuta orientada de uma entrevista na televisão, ou no rádio de forma a que os alunos possam perceber estratégias para troca de turno, repetições, pausas, hesitações, entonação, altura, velocidade e demais aspectos prosódicos. Peça a eles para tomarem nota do nome do entrevistador e do entrevistado, do tema da entrevista das principais perguntas e respostas. Em seguida, os alunos deverão elaborar a entrevista por escrito, ler para os colegas e comparar as diferenças.

5. Oriente seus alunos a reconhecer atividades de fala planejada e não planejada, a fim de perceberem as implicações de haver concomitância entre o processamento da informação e a produção do discurso. Sugira a observação de conversações espontâneas fora da sala de aula, telejornais, telenovelas, palestras em sua comunidade, etc. É importante que eles tomem nota das condições de produção dos textos analisados, quem, onde, quando, para quem, por que, para que, sobre o que.

6. Selecione uma poesia de grande extensão como I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias, ou Navio Negreiro, de Castro Alves, distribua em versos e ou estrofes, para cada aluno, dependendo do tamanho da turma, e organize um jogral, para ser apresentado para a turma de outra sala, ou em um dos eventos da escola. Lembre-se porém, de que é extremamente importante que cada um conheça o poema na íntegra, ainda que vá declamar apenas um verso, ou estrofe.

7. Escolha com seus alunos uma personalidade: escritor, professor, profissional liberal, morador do bairro, e convide-a para uma entrevista coletiva em sala de aula. Cada aluno deverá se apresentar e fazer pelo menos uma pergunta ao convidado. Com base nas respostas, os alunos deverão ser orientados a elaborarem um painel com as opiniões do entrevistado sobre as questões propostas.

8. Selecione temas tais como: desmatamento, fontes de energia, consumo de transgênicos, medidas de combate à dengue, violência nas escolas, por exemplo e oriente quatro ou cinco equipes de alunos a trazerem para a sala de aula textos sobre o seu tema, produzidos em circunstâncias diferentes (rádio, televisão, debate, entrevistas, notas de aula etc.)
O material coletado deverá ser comparado, em cada grupo, com o posterior levantamento de suas características específicas (focalização, propósito comunicativo, estruturação lingüística, tratamento entre os interlocutores, formas de troca de turno etc.). Em seguida, as equipes deverão apresentar para a turma em forma de entrevista o tema selecionado. A equipe deverá elaborar um roteiro para a apresentação de forma a que: um membro fique encarregado fazer a chamada para o assunto e apresentar o entrevistado e o entrevistador, um seja o entrevistador e outro o entrevistado; um quarto membro da equipe deverá fazer um comentário analítico sobre o assunto em discussão após a entrevista.

9. Com base nas orientações sobre entrevista presentes neste texto, selecione uma entrevista qualquer e identifique juntamente com seus alunos os seus elementos constitutivos, aponte os que estiverem faltando e verifique se há a presença de outros que não tenham sido mencionados. Peça a eles que, em dupla, escolham uma profissão e elabore junto com eles um roteiro com perguntas para serem feitas a alguém que exerça a profissão escolhida por eles. Eles deverão realizar a entrevista e depois organizar com a mesma estrutura da entrevista analisada em sala.

10. Abaixo, segue um trecho do capítulo XXI do livro O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, retirado de uma edição de 1990, da Editora Serrana, localizada em Petrópolis/ RJ. Leia para seus alunos, escreva-o no quadro e peça a eles para copiarem com atenção especial para a disposição das informações, a mudança de linha, os parágrafos, a pontuação, o uso de maiúsculas... Após a cópia peça a eles que assinalem todas as partes que eles acham que deveriam ser cortadas na apresentação de um diálogo oral entre a raposa e o principezinho. Selecione dois deles para dramatizarem em sala, depois de ensaiar em casa, o papel da raposa e o do príncipe. Os demais alunos deverão conferir se as partes que achavam que seriam cortadas realmente foram eliminadas e apresentar uma justificativa para a alteração. Após a apresentação das justificativas, discuta com eles a dependência do contexto e sobre a função das partes que se tornaram desnecessárias, tais como: as intervenções do narrador, a indicação de quem está falando, os pensamentos e gestos das personagens...

O pequeno príncipe
Capítulo XXI (fragmento)
E foi então que apareceu a raposa:
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? Perguntou o principezinho. Tu é bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! Desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer “cativar”?
- Tu não és daqui?, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer “cativar”?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa “criar laços...”
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. Eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! Não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.
(Antoine de Saint Exupéry, O pequeno príncipe. Petrópolis: Editora Serrana, 8A. Edição, 1990 p. 68-69)
Referências Bibliográficas

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e segundo ciclos:Língua Portuguesa- Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
_______. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos:Língua Portuguesa- Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CÂMARA Jr. Joaquim Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. Petrópolis: Vozes, 2000.
CASTILHO ,Ataliba Teixeira de, A língua falada no ensino de português. Editora Contexto. São Paulo 1998.
FÁVERO, Leonor Lopes, ANDRADE., Maria Lúcia C.V.O. & AQUINO, Zilda G.O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. São Paulo:Cortez, 2000.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2001
________________________. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.São Paulo: Cortez, 2000.
MILANEZ Vânia. Pedagogia do oral: condições e perspectivas para sua aplicação no português. Campinas:Sama, 1993.
MONTEIRO, Rosemeire Selma. Contribuições psicolingüísticas para o ensino da Língua Portuguesa In: Revista de Letras vol. 19. Fortaleza: UFC, 2000
PRETI, Dino (org). Fala e escrita em questão- projetos paralelos NURC. São Paulo: Humanitas - FFLCH/USP, 2000
___________. Sociolingüística: os níveis da fala. São Paulo: Edusp, 2000.
RAMOS, Jânia M. O Espaço da Oralidade na Sala de Aula. São Paulo:Martins Fontes,1997.
SAINT-EXUPERY, Antoine. O pequeno príncipe. Petrópolis/RJ:Serrana, 8a. edição, 1990.
SIGNORINI, Inês (org).Investigando a Relação Oral/Escrito Campinas: Mercado de Letras,2001.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Oficinas Teoria e Prática - Turma da Prof. Eulália

Oficinas:




26/08 - Elenice e Kédila - "Indícios lingüísticos próprios de alguns tipos de textos" (cap. 12)
28/08 - Débora e Rodrigo - "Quais são as situações de leitura e quais são os textos" (cap. 03)
02/09 - Cristiane e Lidiana - "Livros: multiplicar e diversificar os encontros" (cap. 06)
04/09 - Joana D'arc - "Informações implícitas" (Fiorin)
09/09 - Thiago e Rebeca - Produção (Capítulo 04)
11/09 - Érika e Flávia - Ensino de Gramática (Aula de Português: encontro e interação)
16/09 - Danielly e Mônica - Parte 03 do Livro de Maria Helena de Moura Neves

Leonel (monitor) - 8784 5413

sábado, 23 de agosto de 2008

PCN's: OBJETIVOS GERAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam como objetivos do ensino fundamental que os
alunos sejam capazes de:

• compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia,
atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças, respeitando o outro
e exigindo para si o mesmo respeito;
• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes
situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos
e de tomar decisões coletivas;
• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,
materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção
de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;
• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,
bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças
culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características
individuais e sociais;
• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente,
identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo
ativamente para a melhoria do meio ambiente;
• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de
confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética,
de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança
na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;
• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos
saudáveis como um dos aspectos básicos da qualidade de vida e agindo
com responsabilidade em relação à sua saúde e à saúde coletiva;
• utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal
— como meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e
usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo
a diferentes intenções e situações de comunicação;
• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para
adquirir e construir conhecimentos;
• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los,
utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade
de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

EVENTOS IMPORTANTES

Encontro Internacional de Texto e Cultura

Dias 29, 30, 31 de outubro e 1º de novembro, em Fortaleza (Ponta Mar Hotel)

Objetivo principal é propiciar o intercâmbio de pesquisas e reflexões sobre temas caros tanto à ciência lingüística quanto a outras áreas das ciências sociais, tais como texto, discurso, cultura, cognição, gramática e literatura.

Convidados Internacionais: Antónia Coutinho (Portugal); Jean-Michel Adam (Suíça); Robert Vion (França);Ute Heidmann (Suíça). Nacionais: Clélia Jubran (Unesp);Ingedore Koch (Unicamp);Izabel Magalhães (UNB); Maria Helena de Moura Neves (Unesp).

Informações: http://www.textoecultura.ufc.br/

I FLAEL - Fórum de Lingüística Aplicada e Ensino de Línguas

Dias 24, 25, 26 e 27 de novembro de 2008, em Fortaleza (UFC)

Objetivo principal: O I Fórum de Lingüística Aplicada e Ensino de Línguas e o V Colóquio de Professores de Metodologia de Ensino de Língua e Literatura têm o objetivo maior de reunir pesquisadores da Lingüística Aplicada e da Ciência da Educação, professores, alunos e demais interessados no ensino de línguas para discutirem questões referentes ao agir do professor em sala de aula, bem como para discutir sobre o avanço de pesquisas nessas áreas e sobre suas contribuições para a melhoria da prática docente.

Convidados: Francine Cicurel (Sorbonne - Paris), Irandé Antunes (UECE), Abuêndia Peixoto (UFPE), Émerson de Pietri (USP), Valdir Heitor Barzoyto (USP), Maria de Lourdes Matêncio (PUC - Minas), Angela Kleiman (Unicamp), Vilson Leffa (UCPEL) e Luis Paulo da Moita Lopes (UFRJ).

Informações: http://www.flael.blogspot.com/

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE PORTUGUÊS *

João Wanderley Geraldi

(Texto estudado na turma da Profa. Rosemeire)

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro.

Mikhail Bakhtin


O baixo nível de utilização da língua ____________________________


No inventário das deficiências que podem ser apontadas como resultados do que já nos habituamos a chamar de “crise do sistema educacional brasileiro”, ocupa lugar privilegiado o baixo nível de desempenho lingüístico demonstrado por estudantes na utilização da língua, quer na modalidade oral, quer na modalidade escrita. Não falta quem diga que a juventude de hoje não consegue expressar seu pensamento; que, estando a humanidade na “era da comunicação”, há incapacidade generalizada de articular um juízo e estruturar lingüísticamente uma sentença. E, para comprovar tais afirmações, os exemplos são abundantes: as redações de vestibulandos, o vocabulário da gíria jovem, o baixo nível de leitura comprovável facilmente pelas baixas tiragens de nossos jornais, revistas, obras de ficção etc.
Apesar do ranço de muitas dessas afirmações e dos equívocos de algumas explicações, é necessário reconhecer um fracasso da escola e, no interior desta, do ensino de língua portuguesa tal como vem sendo praticado na quase totalidade de nossas aulas.
Reconhecer e mesmo partilhar com os alunos tal fracasso não significa, em absoluto, responsabilizar o professor pelos resultados insatisfatórios de seu ensino. Sabemos e vivemos as condições de trabalho do professor, especialmente do professor de primeiro e segundo graus. Mais ainda, sabemos que a educação “tem muitas vezes sido relegada à inércia administrativa, a professores mal pagos e mal remunerados, a verbas escassas e aplicadas com tal falta de racionalidade que nem mesmo a ‘lógica’ do sistema poderia explicar” (Mello, 1979).


Aceitamos, com a mesma autora citada, a “premissa de que apenas a igualdade social e econômica garante a igualdade de condições para ter acesso aos benefícios educacionais”. Mas acreditamos também que, no interior das contradições que se presentificam na prática efetiva de sala de aula, poderemos buscar um espaço de atuação profissional em que se delineie um fazer agora, na escola que temos, alguma coisa que nos aproxime da escola que queremos, mas que depende de determinantes externos aos limites da ação da e na própria escola.
Nesse sentido, as questões aqui levantadas procuram fugir tanto da receita quanto da denúncia, buscando construir alguma alternativa de ação, apesar dos perigos resultantes da complexidade do tema: ensino da língua materna.

Uma questão prévia: a opção política e a sala de aula ______________

Antes de qualquer consideração específica sobre a atividade de sala de aula, é preciso que se tenha presente que toda e qualquer metodologia de ensino articula uma opção política - que envolve uma teoria de compreensão e interpretação da realidade - com os mecanismos utilizados em sala de aula.
Assim, os conteúdos ensinados, o enfoque que se dá a eles, as estratégias de trabalho com os alunos, a bibliografia utilizada, o sistema de avaliação, o relacionamento com os alunos, tudo corresponderá, nas nossas atividades concretas de sala de aula, ao caminho por que optamos. Em geral, quando se fala em ensino, uma questão prévia - para que ensinamos o que ensinamos?, e sua correlata: para que as crianças aprendem o que aprendem? - é esquecida em benefício de discussões sobre o como ensinar, o quando ensinar, o que ensinar etc. Parece-me, no entanto, que a resposta ao “para que” dará efetivamente as diretrizes básicas das respostas.
Ora, no caso do ensino de língua portuguesa, uma resposta ao “para que” envolve tanto uma concepção de linguagem quanto uma postura relativamente à educação. Uma e outro se fazem presentes na articulação metodológica. Por isso são questões prévias. Atenho-me, aqui, a considerar a questão da concepção de linguagem, apesar dos riscos da generalização apressada.

Concepções de linguagem _____________________________________

Fundamentalmente, três concepções podem ser apontadas:
A linguagem é a expressão do pensamento: essa concepção ilumina, basicamente, os estudos tradicionais. Se concebemos a linguagem como tal, somos levados a firmações - correntes - de que pessoas que não conseguem se expressar não pensam.
A linguagem é instrumento de comunicação: essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua como código(conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de transmitir ao receptor certa mensagem. Em livros didáticos, é a concepção confessada nas instruções ao professor, nas introduções, nos títulos, embora em geral seja abandonada nos exercícios gramaticais.
A linguagem é uma forma de interação: mais do que possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.
Grosso modo, essas três concepções correspondem às três grandes correntes dos estudos lingüísticos:
a gramática tradicional;
o estruturalismo e o transformacionalismo;
a lingüística da enunciação;
A discussão aqui proposta procurará se situar no interior da terceira concepção de linguagem. Acredito que ela implicará uma postura educacional diferenciada, uma vez que situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.

A interação lingüística ________________________________________

A língua só tem existência no jogo que joga na sociedade, na interlocução. E é no interior de seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de tal jogo. Tomo um exemplo.
Dado que alguém (Pedro) dirija a outro (José) uma pergunta como: “Você foi ao cinema ontem?”, tal fala de Pedro modifica suas relações com José, estabelecendo um jogo de compromissos. Para José, só há duas possibilidades: responder (sim ou não) ou pôr em questão o direito de Pedro em lhe dirigir tal pergunta (fazendo de conta que não ouviu ou respondendo “o que você tem a ver com isso?”). No primeiro caso, diríamos que José aceitou o jogo proposto por Pedro. No segundo caso, José não aceitou o jogo e pôs em questão o próprio direito de jogar assumido por Pedro.
Estudar a língua é, então, tentar detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem ser preenchidas por um falante para falar de certa forma em determinada situação concreta de interação.
Dentro de tal concepção, já é insuficiente fazer uma tipologia entre frases afirmativas, interrogativas, imperativas e optativas a que estamos habituados, seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares. No ensino da língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças.

A democratização da escola ___________________________________

Tal perspectiva, ao jogar-nos diretamente no estudo da linguagem em funcionamento, também nos obriga a uma posição, na sala de aula, em relação às variedades lingüísticas. Refiro-me ao problema, enfrentado cotidianamente pelo professor, das variedades, quer sociais, quer regionais. Afinal - dadas as diferenças dialetais e dado que sabemos, hoje por menor que seja nossa formação, que tais variedades correspondem a distintas gramáticas -, como agir no ensino?
Parece-me que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, estão envolvidos com o sistema escolar, em relação ao baixo nível do ensino contemporâneo, pode ser buscado no fato de que a escola hoje não recebe apenas alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população.
A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe em seu bojo outra clientela e com ela diferenças dialetais bastante acentuadas. De repente, não damos aulas só para aqueles que pertencem a nosso grupo social. Representantes de outros grupos estão sentados nos bancos escolares. E eles falam diferente.
Sabemos que a forma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade intrínseca dessa forma. Fatos históricos (econômicos e políticos) determinaram a “eleição” de uma forma como a língua portuguesa. As demais formas de falar, que não correspondem à forma “eleita”, são todas postas num mesmo saco e qualificadas como “errôneas”, “deselegantes”, “inadequadas para a ocasião” etc.
Entretanto, uma “variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos internos quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos externos pelo prestígio das línguas no plano internacional” (Gnerre, 1978).
A transformação de uma variedade lingüística em variedade “culta” ou “padrão” está associada a vários fatores, entre os quais Gnerre aponta:
a associação dessa variedade à modalidade da escrita;
a associação dessa variedade à tradição gramatical;
a dicionarização dos signos dessa variedade;
a consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural e de uma identidade nacional.
Agora, dada a situação de fato em que estamos, qual poderia ser a atitude do professor de língua portuguesa? A separação entre a forma de fala de seus alunos e a variedade lingüística considerada “padrão” é evidente. Sabendo-se que tais diferenças são reveladoras de outras diferenças e sabendo-se que a “língua padrão” resulta de uma imposição social que desclassifica os demais dialetos, qual a postura a ser adotada pelo professor?

Dominar que forma de falar? ____________________________________________

Parece-me que simplesmente valorizar as formas dialetais consideradas não cultas, mas lingüísticamente válidas, tomando-as como o objeto do processo de ensino, é desconhecer que “a começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” (Gnerre, 1978).
Como aponta Magda Soares (1983), “de um lado há os que pretendem que a escola deva respeitar e preservar a variedade lingüística das classes populares, e sua peculiar relação com a linguagem, consideradas tão válidas e eficientes, para comunicação, quanto a variedade lingüística socialmente privilegiada. Nesse caso, a escola deveria assumir a variedade lingüística das classes populares como instrumento legítimo do discurso escolar (dos professores, dos alunos e do material didático). Por outro lado, há os que afirmam a necessidade de que as classes populares aprendam a usar a variedade lingüística socialmente privilegiada, própria das classes dominantes, e aprendam a manter, com a linguagem, a relação que as classes dominantes com ela mantêm, porque a posse dessa variedade e dessa forma específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável na luta pela superação das desigualdades sociais”.
Mais próximo à segunda posição, me parece que cabe ao professor de língua portuguesa ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar aos seus alunos o domínio de outra forma de falar, o dialeto padrão, sem que signifique a depreciação da forma de falar predominante em sua família, em seu grupo social etc. Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao poder, e a linguagem é um de seus caminhos. Se ela serve para bloquear - e disso ninguém duvida -, também serve para romper o bloqueio.
Não estou afirmando que por meio das aulas de língua portuguesa se processará a modificação da estrutura social. Estou, tão e somente, querendo dizer que o princípio “quem não se comunica se trumbica” não pode servir de fundamento de nosso ensino: afinal, nossos alunos se comunicam em seu dialeto, mas têm se trumbicado que não é fácil... E é claro que este “se trumbicar” não se deve apenas à sua linguagem!

Ensino da língua e ensino da metalinguagem_______________________________

Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão, devemos acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da língua e ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua considerando as relações humanas que ela perpassa (concebendo a linguagem como lugar de um processo de interação), a partir da perspectiva de que na escola se pode oportunizar o domínio de mais outra forma de expressão, exige que reconsideremos “o que” vamos ensinar, já que tal opção representa parte da resposta do “para que” ensinamos.
Nesse sentido, a alteração da situação atual do ensino de língua portuguesa não passa apenas por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados na sala de aula. Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova metodologia, mas principalmente um “novo conteúdo” de ensino.
Parece-me que o mais caótico da atual situação do ensino de língua portuguesa em escolas de primeiro grau consiste precisamente no ensino, para alunos que nem sequer dominam a variedade culta, de uma metalinguagem de análise dessa variedade - com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de regras e hipóteses de análise de problemas que mesmo especialistas não estão seguros de como resolver.
Apenas para exemplificar: já tive a oportunidade de folhear cadernos de anotações de aluno de quinta série. O “pobre menino” anotara que, para Saussure, a língua é um conjunto estruturado de signos lingüísticos, arbitrários por natureza, mas que para Chomsky (grafado Jonsqui), estudar uma língua era estabelecer “regras profundas” da competência dos falantes...
Exemplo menos caótico, mas nem por isso menos triste, e infelizmente mais freqüente, são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos e modos, sem que o aluno nem sequer suspeite o que significa indicativo, subjuntivo ou mais-que-perfeito.
A maior parte do tempo e do esforço gastos por professores e alunos durante o processo escolar serve para aprender a metalinguagem de análise da língua, com alguns exercícios, e eu me arriscaria a dizer “exercícios esporádicos”, de língua propriamente ditos.
Entretanto, uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra, é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características estruturais e de uso.
Entre esses dois tipos de atividades, é preciso optar pelo predomínio de um sobre o outro. Tradicionalmente prevaleceu o ensino da descrição lingüística - eu diria que nem sequer a descrição prevaleceu, mas o exemplário de descrições feitas, pois na escola não se aprende a descrever fatos novos, formular hipóteses de descrição etc. O que se aprende, na verdade, é exemplificar descrições previamente feitas pela gramática. Mais modernamente, as descrições tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação, e hoje o aluno sabe o que é emissor, receptor, mensagem etc. Na verdade, substituiu-se uma metalinguagem por outra!
Parece-me que, para o ensino de primeiro grau, as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio da língua, em sua variedade padrão.
Gostaria de encerrar essas breves considerações sobre concepção de linguagem, variedades lingüísticas e ensino de língua/ensino de metalinguagem, reafirmando que q reflexão sobre o “para que” de nosso ensino exige que pensemos sobre o próprio fenômeno de que somos professores - no nosso caso, a linguagem -, porque tal reflexão, ainda que assistemática, ilumina toda a atuação do professor em sala de aula.

__________* Este texto retoma e desenvolve idéias expostas em “Subsídios metodológicos para o ensino de língua portuguesa”, Cadernos da Fidene, 18, 1981. As mesmas idéias foram também publicadas em “Possíveis alternativas para o ensino da língua portuguesa”, na revista Ande, 4, 1982.